.
texto de zédejesusbarrêto*
.
Queria só falar de flores neste final de outono. Ou de bola, apenas, de olho na África do Sul. Queria ouvir o grito de GOOOOL feito um signo sonoro único, universal, chamando a paz, congregando a humanidade, estabelecendo a igualdade humana.
Porque diante da bola somos todos um, iguais, independente de origem, cor, crença, ideologia, sexo, idade, tamanho…
A bola é o signo mais acabado de Deus. Não tem início, não tem fim… plena de mistérios, grávida de encantamentos. Fêmea!
Bola… Alfa e ômega. Universo, planeta terra, útero, cabeça, gota, ponto, grão, quietude e movimento, tudo!
Flores à bola, todas! Rosas, rosas de todos os tons, e orquídeas, cravos, margaridas, jasmins, magnólias, angélicas, gérberas… Flores à bola!
E que venha a Copa, que os olhos se abram para a África. Não com olhos de cobiça. Mas com o sentimento de reencontro com a nossa humanidade. Simples, pó (lodo e amálgama), semente.
Que o milagre da Bola nos permita ver, compreender a humanidade, pensar num novo amanhã… a partir da África-Mãe! Ave, deusa Bola!
***
Vistas turvas
O noticiário engajado mostra, os marqueteiros do poder me empurram, o presidente Lula brada convicto e eu até quero acreditar que a pobreza diminuiu de verdade, está mesmo quase que acabando ‘como nunca antes neste país’! Pronto. Que bom que fosse!
Pois ando pelas ruas e praças centrais de minha Cidade da Bahia e tropeço em molambos humanos arriados pelas calçadas, famílias inteiras dormindo sobre papelões na praça dos Mares, de Nazaré, da Piedade, sob marquises e viadutos, numa miséria, num desamparo, num abandono de cortar coração.
Carros, buzus, transeuntes passam lotados, nem olham, parece que nem se dão conta… feito os governantes. Esses não contam, já não fazem parte dos números, das estatísticas… quem sabe nem mais humanos como nós serão.
Viajeiro, passo por cidades menores do interior sertanejo e deparo-me com pedintes pra todo lado, bodegas cheias de cachaceiros desdentados, os posto de saúde abarrotados, meninas barrigudas já com criança nos braços e olhos embaçados, envelhecidas e mal vestidas, jovens perambulando sem ter o que fazer, aquela feira murcha, a desgraceira das drogas desgraçando tudo e, em cada esquina, relato de violência de todo tipo e sem controle, às portas. Balas que matam é o papo, antes da bola e da Copa.
Ah, vejo circulando muito carrão, picapes bonitas rasgando estrada voando na contramão… deve ser a tal ‘nova’ classe média de que tanto falam. Passam tão azoados que nem dá tempo de ver os meninos e meninas na beira da estrada vendendo frutas e bichinhos do mato, pedindo esmolas, molambentos. Lembro-me dos carros-de-boi cantando dolências estrada afora.
Acho que a idade andou me deformando a mente. Ou careço de um daqueles óculos 3D – dos que se usam no cinema pra pessoa ‘entrar na realidade’ – pra que eu possa enxergar direito as coisas.
Tô esperando o horário eleitoral gratuito, em agosto, pra desanuviar. Lá é que a gente vê coisa bonita e o coração ufana!
Crendeuspai! Onde perdi minha esperança?
***
Atentado ao Pelô
Desafio qualquer autoridade a, sozinha no seu carrão, estacionar num dos estacionamentos oficiais pagos da área do Pelourinho, à noite. Escuridão total, nem dá pra enxergar os carros, sem uma viv’alma lá dentro, um terror! O serviço é uma porcaria, despreparo e falta de educação na porteira. Insegurança absoluta, um convite aos bandidos, risco total, dá medo de verdade. Inconcebível manter uma grande empresa do ramo (???) prestando aquele (des)serviço. Afugenta qualquer um. Não vão lá, pelamôdedeus!
O jeito é mesmo estacionar nas ruas próximas/distantes: Chile, Misericórdia, Ajuda… onde os malandros assediam e retomar o volante, já mais tarde, é um risco.
Por essas e outras o Pelô está esvaziado, entregue a drogados e traficantes, sobretudo à noite. Cara de abandono. São João vem aí, Copa do Mundo também… É esse o serviço que oferecemos, é assim que queremos chamar as famílias, os turistas para festejar?
Enquanto isso, o ‘projeto de ‘re-re-revitalização do Centro Antigo’ rola, há anos, em blá-blá-blás de gabinetes.
Sinto falta do brado dos movimentos negros baianos: ‘Salvem o Pelô!’ Cadê? Só o mestre Clarindo clama? Quero o ijexá do Gandhy, os tambores do Olodum, o baixo do reggae, os berimbaus angoleiros clamando, gritando em pedido de socorro. O Pelô chora de desamparo.
***
Ler é viver
Releio aos poucos e pela terceira vez ‘Viva o Povo Brasileiro’ do baiano João Ubaldo Ribeiro. A cada releitura mais fantástico ainda. É o nosso ‘Cem Anos de Solidão’, a saga latinoamericana do colombiano Gabriel Garcia Marquez.
O texto e a abordagem histórica de Ubaldo, que mais recentemente lançou o belo ‘O Albatroz Azul’, são brasileiros e baianíssimos. E tá rebocado o baiano que não ler. Ubaldo é essencial.
Os versos de Pessoa, a prosa de Ubaldo, os toques de Verissimo, os fraseados de Millor… Quedo-me, diante deles, pequeno.
Mas insisto, aqui e ali, com minhas palavras toscas, letras em garranchos.
***
PS: – Elogiável, sob todos os aspectos, a lei do dep. Lobbe Neto (PSDB-SP) sancionada esta semana pelo presidente Lula que prevê a instalação de bibliotecas em todas as escolas públicas e privadas do país, num prazo de 10 anos. Acho o prazo longo, mas… já é um adianto, arre! Sem leitura não saímos desse atoleiro.
***
Ói a Copa!
… mas a Copa do Mundo da África tá em cima e, quando a bola rola, a vida quica com ela, gracejante. Só que o mesmo grito de gol, que empolga, entristece. O goleador vibra, o goleiro chora. A vida é uma bola.
***
Pensamentando…
“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”
(João Guimarães Rosa)
.
*zédejesusbarrêto, jornalista e escrevinhador (26mai/2010)
.