INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA BAHIA-4

No desfile do Dois de Julho, a Cabocla sempre porta a bandeira da Bahia, enquanto o Caboclo leva a bandeira do Brasil. Foto: Lúcio Távora | Agência  A Tarde 2.7.2009

Durante o desfile do Dois de Julho, em Salvador, a Cabocla sempre carrega a bandeira da Bahia, enquanto o Caboclo, em outro carro, leva a bandeira do Brasil. Foto: Lúcio Távora | Agência A Tarde 2.7.2009

 por Jary Cardoso

     O Brasil precisa conhecer e cultuar a história de como se desenvolveu o movimento pela independência do país na Bahia, culminando no 2 de julho de 1823. Os baianos revivem todo ano com alegria e emoção o orgulho pelo heroísmo e bravura de seus antepassados, sentimentos que têm de ser compartilhados pelos demais brasileiros. É o que recomendo como brasileiro nascido em São Paulo e hoje morando em Salvador.

     Este ano tive o privilégio de aprender um pouco mais sobre os primórdios desse movimento e conhecer seu caráter libertário. Foi quando atendi ao convite de Jorge Portugal, poeta e educador, para ir à sua cidade natal, Santo Amaro da Purificação, no dia 14 de junho. Jorge disse que iria receber a Comenda Marquês de Abrantes na Câmara de Vereadores e gostaria da minha presença.

     Ao chegar a Santo Amaro em meu fusquinha, encontrei a cidade em festa cívica, com faixas saudando sua data magna. Como explicou Jorge Portugal, o movimento pela Independência da Bahia – que na verdade resultou na consolidação da independência de todo o País – começou a se esboçar justamente na Câmara de Santo Amaro, em 14 de junho de 1822.

     Cito o historiador Luís Henrique Dias Tavares, mestre de Jorge Portugal, em seu livro História da Bahia, anos 1821-1822:

     A Bahia aderira às cortes de Lisboa, elegera deputados para elaborar a futura Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve e desconhecera a regência do príncipe dom Pedro, instituída com o regresso do rei dom João VI para Lisboa (…)

     (…) a Junta Provisória de Governo da Província da Bahia atuava cada vez mais submissa a Lisboa (…)

     (…) A política das Cortes Gerais para o Brasil definiu-se no segundo semestre de 1821, dirigida a neutralizar qualquer mínima possibilidade de existência de um governo executivo central em alguma província brasileira.

     (…) [em fevereiro de 1822] chegou à cidade do Salvador a Carta Régia nomeando Governador das Armas o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo, em substituição ao brasileiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães. Logo se instalou uma situação de conflito.

     (…) Em resposta, oficiais brasileiros (…) declararam que era ilegal aceitar um decreto de Lisboa sem a aprovação da Câmara. Não queriam Madeira de Melo no Governo das Armas e para tanto orientaram a resistência que envolveu militares e civis brasileiros contra a sua nomeação.

     (…) O dia 19 de fevereiro amanheceu com a ofensiva das tropas portuguesas.

     (…) Concluída a ocupação militar da cidade do Salvador, Madeira de Melo adotou uma linha política que visava (…) obter o apoio local para manter a Bahia unida a Portugal.

     (…) Número apreciável de famílias abandonou a cidade do Salvador e se dirigiu para Santo Amaro, São Francisco do Conde, Cachoeira e Maragogipe. Em abril já existiam várias conspirações contra o governo militar que o brigadeiro Madeira de Melo estabelecera.

     (…) A definição dos baianos ocorreu entre maio e junho de 1822 (…)

     [Agora se aproxima o momento de Santo Amaro]

     Os partidários do reconhecimento da autoridade do príncipe tentaram uma decisão na Câmara da cidade do Salvador. Marcada para se reunir no dia 12 de junho, as tropas portuguesas bloquearam as ruas (…) A reunião foi proibida.

     Dois dias depois (14 de junho) reuniu-se a Câmara de Santo Amaro (…) A Câmara decidiu: “Que haja no Brazil hum centro único de Poder Executivo; que este Poder seja exercido por sua Alteza Real o Príncipe Regente”.

     A partir dessa decisão é possível encontrar uma sequência de preparativos na Bahia para o reconhecimento da autoridade do príncipe dom Pedro (…)

     O episódio seguinte ocorreu pouco depois, no dia 25 de junho, que se tornou a data magna de Cachoeira, localidade vizinha de Santo Amaro. Lá também a Câmara reconheceu a regência de D. Pedro, e houve ainda luta contra portugueses e tiros, desencadeando uma série de episódios que ainda preciso conhecer melhor.

     Voltando ao 14 de junho de 2009 em Santo Amaro. Antes de começar a solenidade na Câmara, que teve a presença do ministro da Cultura, Juca Ferreira, procurei me informar com Jorge Portugal sobre os acontecimentos de 187 anos atrás. E ele me levou a recuar um pouco mais na História.

     Jorge Portugal disse que as lutas pela independência da Bahia foram precedidas, em 1798, por um movimento libertário em Salvador, a chamada “Revolução dos Alfaiates” ou “Revolta dos Búzios”, inspirado na Revolução Francesa e nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Seus ideais eram muito mais avançados que a Inconfidência Mineira.

     Luís Henrique Dias Tavares escreveu assim sobre a “sedição de 1798”:

      (Este importante movimento foi) amplo e singular, por seu ideário, pelo largo circuito social dos que dele participaram ou nele foram envolvidos, proprietários, oficiais e soldados do exército colonial português na Bahia, intelectuais, artesãos (alfaiates livres e escravos, cabeleireiro, ourives, pedreiro, carapina, ferreiro, bordador) e escravos, pela influência que recebeu das ideias humanistas de igualdade de todos os seres humanos e do exemplo da Revolução Francesa de 1789-1793, que degolara um rei e uma rainha, proclamara o regime republicano e extinguira o trabalho escravo.

     (Boletins sediciosos) foram colados na fachada de casas (…) Eles repetem itens e frases referentes ao soldo dos militares (…), aos padres, ao comércio monopolizado, à situação política da Europa, à condição da capitania da Bahia, que “sofria latrocinios, furtos com os titulos de impostura, tributos e direitos que são elaborados por ordem da Rainha”, às discriminações que os pardos (mulatos) sofriam por causa da cor da pele, às ideias de liberdade, república, democracia e igualdade sem diferenças de cor. Algumas das palavras mais repetidas pertenciam ao vocabulário entregue ao mundo pela Revolução Francesa: Povo, Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Deputados, Republicanos, Entes e Dietas.

     Mesmo depois de sufocada essa rebelião e enforcados e esquartejados quatro de seus ativistas, os ideais libertários da Revolução Francesa continuaram gerando frutos na Bahia. A Guerra da Independência veio na sequência.

     Agora passo a palavra a Jorge Amado, que em seu Bahia de Todos-os-Santos dedicou alguns trechos ao Dois de Julho de 1823:

2 DE JULHO, FESTA CÍVICA E POPULAR

Foi um 2 de Julho”, se diz na Bahia quando se faz referência a uma coisa notável, grande, barulhenta, porreta. A festa do 2 de Julho tem um caráter cívico e patriótico que não lhe tolda a graça popular. Comemora-se a data da entrada triunfante dos exércitos libertadores na capital em 1823. O dia verdadeiro da Independência do Brasil (…).

Monumento a Maria Quitéria. Foto: Marco Aurélio Martins | Agência A Tarde

Monumento a Maria Quitéria. Foto: Marco Aurélio Martins | Agência A Tarde

MARIA QUITÉRIA

por Jorge Amado

O príncipe D. Pedro, no caminho de São Paulo, deu o grito da Independência. Depois foi dormir com a marquesa de Santos. Os Baianos então expulsaram os portugueses que ainda desejavam conservar a colônia. As tropas de Madeira foram batidas no Recôncavo, em Pirajá, em Itaparica. Um avô de Castro Alves, major das forças da Independência, comandava um batalhão. Foi o batalhão mais valente de toda a campanha. Puseram-lhe o nome de “Batalhão dos Periquitos” por causa da farda verde. Os “Periquitos” ficaram célebres, tais foram as suas façanhas na guerra da libertação. Entraram triunfantes na Bahia pelo caminho da Lapinha (…)

Certa moça baiana, de nome Maria Quitéria, de família pobre, não quis assistir de braços cruzados à libertação da sua pátria. Vestiu uma roupa de soldado, apresentou-se ao avô de Castro Alves, mostrou que sabia atirar e fez toda a campanha. Foi um soldado disciplinado, corajoso, capaz, consciente. Honrou o “Batalhão dos Periquitos” e sua tradição é orgulho da mulher baiana.

No entanto, a fama ficou para Joana Angélica, uma freira que defendeu a porta do seu convento. Não a moveu o patriotismo e sim, apenas, a defesa da clausura do tenebroso convento das “arrependidas”. Mas a heroína da Independência é a outra, a mulher que rompeu com os preconceitos terríveis da época, alistou-se como soldado, tomou do fuzil, matou inimigos, lutou de armas na mão, Maria Quitéria. Por isso mesmo injustiçada e esquecida.

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8 Respostas to “INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA BAHIA-4”

  1. luana Says:

    isso é demais

  2. naybon Says:

    É muito bom falar sobre a Bahia

  3. fernanda Says:

    eu acho que poderia ser melhor no entanto eu achei o que precisava

  4. fernanda Says:

    eu achei o que precisava, isso é demais uuuuuuuuuuuuuuuuu.

  5. paula Says:

    precisava de uma pesquisa para a minha aula de história, obrigada por darem informação que quase nenhum outro site me deu

  6. Jorge Portugal Says:

    Que aula, meu querido. A partir de uma prosa gostosa pelas ruas de minha cidade, você construiu didático, comunicativo e que já serve a muita gente. Está “quase” um roteiro. Parabéns!

    Jorge Portugal

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