INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA BAHIA-2

 
Baianos participam da Festa do Dois de Julho no Carmo, em Salvador, para comemorar a Independência da Bahia do domínio português. Foto: Fernando Vivas - Agência A Tarde | 2.7.2008

Baianos participam da Festa do Dois de Julho no Carmo, em Salvador, para comemorar a Independência da Bahia do domínio português. Foto: Fernando Vivas - Agência A Tarde | 2.7.2008

DOIS DE JULHO,

UMA FESTA DO POVO

por zédejesusbarrêto*

Dois de Julho é a data da independência do Brasil na Bahia”,  na definição do professor e historiador Luis Henrique Dias Tavares.

O que isso significa?

Significa que o “Independência ou Morte!” gritado pelo jovem imperador Dom Pedro I, nas margens do riacho do Ipiranga, em São Paulo, no 7 de setembro de 1822, de nada valeu na Bahia controlada pelos interesses portugueses. Salvador continuava sendo um dos portos mais importantes do atlântico sul e o tráfico de escravos enriquecia muitos comerciantes, aqui e na África.

Mesmo com o brado de Dom Pedro, as cortes de Lisboa mantinham o domínio do nosso estado e, a partir daqui, esperavam controlar todo o norte e nordeste. Mas, já há algum tempo descontentes com o jugo português e movidos pelo ideário iluminista de liberdade, igualdade e fraternidade, os baianos entraram em guerra com o objetivo de afastar e expulsar os colonizadores portugueses do comando da capital e da região. A reação começou no recôncavo.

O 2 de julho  é a data da libertação, da nossa verdadeira independência conquistada com a vontade, o suor e o sangue dos baianos, do povo – aí incluindo-se uma elite de proprietários de terras e escravos do recôncavo, comerciantes, uma classe média mais ou menos instruída e libertária, lavradores, pequenos negociantes e até escravos. Brancos, caboclos, negros afrobrasileiros, mulatos, homens e mulheres …

 A real e total independência política da nossa nação, a consumada e definitiva separação de Portugal aconteceu com o enxotamento, a fuga das tropas do comandante luso Madeira de Mello e a entrada na capital do exército libertador vitorioso em 2 de julho de 1823.  

Daí, como disse o mestre, Dois de Julho é a data da Independência do Brasil na Bahia!

Monumento ao Caboclo no Campo Grande. Foto: Fernando Vivas | Agência A Tarde - 27.6.2006

Monumento ao Caboclo no Campo Grande. Foto: Fernando Vivas | Agência A Tarde - 27.6.2006

 

Uma manifestação popular

Como dizem os historiadores, o nosso 2 de julho é um exemplo de manifestação cívica e popular, uma festa essencialmente democrática. Certamente, a única festa cívica brasileira com raízes e características tão populares. Desde a sua origem e ainda hoje.

“O desfile histórico do 2 de julho é patrimônio intangível, cultuado e preservado por todos os que se orgulham da sua ancestralidade e demonstram engajamento em reivindicações comunitárias, patrióticas, amorosas. A festa da independência é vivida pela consciência de que os acontecimentos do passado ainda não se extinguiram. A liberdade e a igualdade social ainda são um objetivo, uma luta.”

(O texto é da pesquisadora, historiadora e escritora Socorro Targino Martinez)

Em 1823, as tropas vitoriosas vindas do recôncavo e de Pirajá entraram na cidade pelo Caminho das Boiadas (que passou a se chamar Estrada da Liberdade, hoje a avenida  Lima e Silva). Eram negros, brancos, caboclos, maltrapilhos, famintos, cansados e vitoriosos depois de quase dois anos de lutas e resistência, sitiando a capital, encurralando e enfrentando as tropas de Madeira de Mello.

O português fugiu na madrugada, pelo mar. E o Exército Libertador foi aclamado nas ruas. Esse é o simbolismo do desfile, a recriação popular do acontecido em 1823.

Há um histórico caráter de protesto e reivindicatório no desfile.

São manifestações já presentes, visíveis e motivadoras logo no ano seguinte, no 2 de julho de 1824, quando a fatia da população mais pobre que deu o suor e o sangue de suas vidas nas batalhas, revivendo a façanha do ano anterior, quis mostrar também que os negros, os caboclos,  os que  pegaram em armas e arriscaram tudo pelos ideais de liberdade e igualdade continuavam desassistidos e nada tinham lucrado com a guerra e a expulsão dos portugueses.

Diz o historiador baiano Sérgio Guerra Filho: Fizeram parte do Exército Libertador “lavradores, desocupados, oficiais mecânicos ou pescadores, livres não-proprietários, libertos e até escravos, negros, mestiços, brancos pobres e índios, homens e mulheres, jovens e idosos que se apresentaram, na maioria das vezes, como voluntários para a guerra contra os portugueses e o general Madeira”

Mas, finda a guerra, o poder continuava nas mãos dos brancos, dos grandes comerciantes, dos coronéis do recôncavo, os senhores da política , enquanto a pobreza, a fome e a escravidão continuavam as mesmas de antes da guerra, ou ainda piores. A tirania e o autoritarismo, os mesmos.

A primeira metade do século XIX na Bahia, em Salvador especialmente, foi de agitação,  insurreições e muita repressão contra os negros, sobretudo. Grandes exemplos são as revoltas Malês e a Sabinada, nos anos 30.

Maria Quitéria de Jesus Medeiros

Soldado Maria Quitéria de Jesus Medeiros

Mas, desde 1824 até hoje o desfile do Dois de Julho sempre aconteceu. E, apesar de tantas tentativas dos políticos de plantão em transformar a festa num evento oficial e eleitoreiro,  o nosso Dois de Julho continua sendo uma manifestação livre do povo, uma festa democrática, onde cabem as vozes da diversidade, todos os clamores do povo.

Ainda citando o historiador Sérgio Guerra Filho: “… o povo volta às ruas, todo ano, no dia 2 de julho, afirmando que, além de Labatut, Lima e Silva, du Pin e Almeida, Cochrane e outros, seus heróis de vida são os anônimos heróis que raramente aparecem nos documentos, não ganharam nomes de ruas ou monumentos. Mas marcaram com sua   presença – e muitas vezes com sua rebeldia e insubordinação, demonstrando seus anseios políticos  e a sua discordância com os rumos do estado imperial – durante os anos da guerra a sua luta em busca da igualdade e da liberdade”.

Desenho do busto da heroína Maria Felipa de Oliveira, feito por Filomena Orge. Composição artística com base em pesquisas, histórias narradas, descrições em livros e traços fisionômicos de descendentes

A heroína Maria Felipa de Oliveira em desenho de Filomena Orge

Símbolos e heróis

Não é à-toa que o símbolo maior do Dois de Julho é o caboclo, o brasileiro nato, herdeiro dos guerreiros tupinambás. Símbolo também da miscigenação. É ao caboclo e à cabocla que o povo presta toda sua reverência, até hoje, no Dois de Julho. Mesmo reconhecendo o heroísmo da madre Joana Angélica, que caiu diante das baionetas lusas; mesmo saudando os feitos de João das Botas que enfrentou com saveiros e emboscadas entre as ilhas e enseadas da baía de Todos-os-Santos as naus de guerra portuguesas; exaltando também o destemor, a coragem e o heroísmo da jovem cabocla cachoeirana Maria Quitéria de Jesus Medeiros, e da negra itaparicana Maria Felipa…       

Mas é o caboclo que simboliza o povo e sua eterna luta pela liberdade. É ele que rege e vai à frente do desfile, aclamado. É nos pés dele que o povo deposita seus pedidos, suas preces.

É pra ele que os terreiros de candomblé de Angola (nação banto), e de origem cabocla batem seus tambores nas noites do Dois de Julho, em toda a Bahia.   

Segundo os historiadores, o carro do caboclo foi fabricado em 1828, por Bento Sabino, que utilizou na feitura as rodas de carretas de guerra tomadas dos inimigos em campos de batalha. O caboclo, ornado de penas, tem uma seta e uma taquara que esmagam a cabeça da serpente do despotismo. O carro com a cabocla foi construído em 1840.

 Já o monumento ao Dois de Julho, na praça do Campo Grande, foi inaugurado com a praça em 2 de julho de 1895, uma relíquia do iluminismo francês.  A escultura é projeto do italiano Carlos Nicoli e o monumento foi executado em Gênova pela empresa Pitombo Podestà & Cia. Na época, “o maior monumento de toda a América do Sul”.

“É uma gigantesca coluna em bronze, estilo coríntio, assentado num bloco de mármore de Carrara, tendo em duas faces laterais magníficos baixo-relevos lembrando as cidades de Itaparica e Cachoeira, que tiveram papel preponderante nas lutas da independência. Em cima da coluna ergue-se um indígena, o caboclo, de 2m80cm de altura, calcando os pés sobre a serpente do despotismo” – Descreveu  o Diário do Povo de abril de 1888.

No monumento se pode ver ainda datas alusivas aos feitos heróicos, alegorias, uma homenagem a Catharina Paraguaçu, armas, leões, escadarias, gradis e lampiões. O monumento foi recuperado no início dos anos 2.000, como toda a praça, e encontra-se em bom estado de conservação.

(HINO AO DOIS DE JULHO CANTADO PELA POLÍCIA MILITAR DA BAHIA)

 

Um hino de liberdade

O hino ao Dois de Julho data de 1828. A letra é do poeta e alferes do Estado Maior das lutas de independência Ladislau Santos Titara. E a música é composição do professor e maestro José Santos Barreto:

“Nasce o sol a 2 de julho

Brilha mais que o primeiro

É sinal que neste dia

Até o sol é brasileiro

 

Nunca mais o despotismo

Regerá nossas ações

Com tiranos não combinam

Brasileiros corações

 

Cresce oh filho de minh’alma

Para a Pátria defender

O Brasil já tem jurado

Independência ou morrer

 

Salve oh rei das Campinas

De Cabrito e Pirajá

Nossa Pátria, hoje livre

Dos tiranos não será”

 

*zédejesusbarrêto – jornalista e professor licenciado em Ciências Sociais pela UFBa

 

COMENTÁRIO DE TUZÉ DE ABREU

Jary,

Entrei hoje no seu blog e escutei emocionado a gravação do Hino ao Dois de Julho, esta música ótima, na gravação muito boa da banda da PM. É uma pena que, baseado num ato da PM de SP, o então governador César Borges tenha extinto essa banda de direito. Ela continua de fato, mas seus membros são policiais sujeitos a fazer serviço de rua a qualquer momento. Não são mais músicos de carreira, nem há mais aquela escola que deu tantos bons frutos, inclusive para a orquestra sinfônica. É uma pena saber que hoje seria impossível a banda (mais coral) da PM fazer uma gravação com este nível. E olhe que era a banda em atividade mais antiga do país. Se for perguntado dirão que a banda existe. Sim, de fato, mas não de direito. Acabou a função “músico” na PM, onde o praticante poderia chegar a oficial. Conheci alguns como o finado major Eduardo, que foi oboísta das duas orquestras sinfônicas. Obrigado, um abraço.

Tuzé de Abreu

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6 Respostas to “INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA BAHIA-2”

  1. antonio carlos batista Says:

    bd gostei eu e minha filha pois fazemos
    uma pesquisa e nao estamos encomtran-
    do mas achamos aki obrigado

  2. wellington Says:

    É dificil encontrar material para pesquisar o dois de julho. Parece que é de interesse de alguma parte divulgar só o sete de setembro

  3. July 2, Bahia Independence Day – Bahia-Capoeira Blog Says:

    […] Photo by Fernando Vivas – Agência A Tarde | 2.7.2008 Original source […]

  4. Edward Says:

    estou precisando de todo material possível sobre o 2 de julho! Quem tiver referências bibliográficas, dicas, documentos, gentileza fornecer informações, pois estou trabalhando com o tema na conclusão do curso de história.

  5. Bahia | Life in Brazil Says:

    […] https://jeitobaiano.wordpress.com/2009/07/02/independencia-do-brasil-na-bahia-2/ […]

  6. review penomet results Says:

    review penomet results

    INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA BAHIA-2 | Jeito Baiano

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