CONSCIÊNCIA NEGRA: O ÚLTIMO TIRO

por JORGE PORTUGAL


A metáfora, perfeita, é da autoria de Ailton Ferreira, hoje secretário municipal da Reparação:

“Quando o Jornal Nacional anuncia a morte de algum jovem negro e favelado, a bala que ceifou sua vida foi apenas o último tiro. O primeiro ocorreu quando do seu nascimento, certamente de uma mãe solteira, num barraco sem água encanada e sem luz, na periferia; o segundo, quando ele ingressou em uma escola pública do bairro, sem material escolar, com professores que lá não apareciam e um currículo completamente defasado; o terceiro, quando, sem qualificação, bateu à porta de várias empresas e lhe foi negada a vaga, com o argumento de que não correspondia ao perfil exigido. Sem perspectivas, por volta dos dezenove anos, recebe uma proposta irrecusável do tráfico de drogas. Topa. Aos vinte e cinco, no máximo, a polícia invade o morro e lhe dá o tiro de misericórdia. O último” .

Agora entro eu: a polícia dá o tiro, mas é a nossa omissão que aperta o gatilho. Não vou falar da secular omissão histórica, porque nesse caso, durante quinhentos anos, ela foi política de estado: escravidão, abolição sem cidadania, exclusão social contínua, racismo e negação.

Quero me reportar à pouca velocidade, ao ritmo lento com que certas ações governamentais e atitudes da sociedade civil abordam a questão. Claro que vai aqui o reconhecimento a programas como Bolsa-Família, Prouni, Pró-Jovem, Promimp, cotas universitárias e tantas outras iniciativas de um presidente-operário-nordestino, que nasceu pobre, e, portanto, conheceu na pele a negritude social.

Mas a tarefa de inclusão do negro no sistema da sociedade brasileira é uma tarefa hercúlea, gigantesca, o verdadeiro projeto de construção da nação, que ainda não somos. E aí eu falo de prefeituras de capitais, prefeituras do interior, ONGs, igrejas, terreiros, sindicatos e lideranças comunitárias.

Proposta: vamos começar oferecendo uma oportunidade a esses jovens negros exatamente na linha divisória entre o sonho e a desistência? Vamos criar “vietnãs educacionais” nos bairros populares, que os preparem para ingressar no Cefet (os que estão na oitava série), e na universidade (os que concluíram o ensino médio)?

Prefeitura, empresas, entidades civis e ONGs: a educação de qualidade pode ser o primeiro passo para que evitemos o último tiro.


Jorge Portugal – Um negro em movimento

secretaria@jorgeportugal.com.br


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Uma resposta to “CONSCIÊNCIA NEGRA: O ÚLTIMO TIRO”

  1. LOURENÇO MUELLER Says:

    Gostei, Jorge, é isso aí.
    Eu sou iconoclasta, mas acho que para objetivos dessa natureza, se precisa de ídolos. Mais “glocal” do que Zumbi, acho que a negritude deveria se reapropriar da figura de Mestre Bimba (não Besouro, que, parece, foi um embuste…), reconhecido no mundo inteiro como o pai da capoeira regional e um homem ímpar, por tudo que foi e fez.
    Talvez você, que escreve tão bem, podia falar algo sobre Bimba. Também.

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