AVE BAHIA! – CLÉO MARTINS

VALE A PENA LER DE NOVO

Este artigo foi publicado originalmente no jornal A Tarde em setembro de 2001.

Baiana Jaciara de Jesus Santos, a Cira do Acarajé, em ação no bairro de Itapoã. Foto: Sebastião Bisneto | Agência A Tarde 26.12.08

Baiana Jaciara de Jesus Santos, a Cira do Acarajé, em ação no bairro de Itapoã: servindo a comida predileta de Oya-Iansã, como diz Cléo Martins neste artigo. Foto: Sebastião Bisneto | Agência A Tarde 26.12.08

VIDA PLENA

 

por CLÉO MARTINS

 

Abro, agora, o dicionário Silveira Bueno e procuro a palavra intolerância, enxugando os olhos sofridos desde o dia 11 de Setembro, pouco após ter retornado da Conferência Mundial da ONU, em Durban, e penso em tanto sangue derramado pelos inocentes, repelindo, da memória implacável, a alegria de alguns que talvez também tombem vítimas da mesma praga.

Lembro-me do museu das bruxas. Um museu de bonecos de cera que retratava a história de tanta gente queimada no fogo da intransigência dos divisores. Por falar nisso, no final da exposição dos bonecos, neste museu de Salem, em Massachusetts, aparecia a figura do demônio de chifres, rabo, tridente e pés-de-bode gargalhando a proclamar que sua causa é sempre defendida em nome de Deus… Senti calafrios.

Para mim, ao longo de uma vida religiosa já experimentada na marcha pró Luz, o Transcendente é e sempre será Infinito amor e eterna Chama; vive em todas as culturas, revela-se para toda a humanidade. E para todos e todas tem uma palavra de amor; a despeito da coloração da pele ou cultura.

Por falar em cultura, ruminando a palavra intolerância (que não tolero) penso na baiana do acarajé: mulher impecavelmente vestida nos trajes típicos que falam por si, mas precisam de especialista para serem explicados; uma baiana cheia de fios de contas e dignidade.

Desde pequena, sentia-me fascinada ao ver Dona Raimunda de Iansã, soteropolitana residente em Sampa, dona do restaurante baiano frequentado por artistas, na Rua Capote Valente, perto do colégio Stella Maris onde estudei muito tempo. Ela, à frente do tabuleiro, na tarefa imponente de “produzir bolinhos perfumados no azeite de dendê”…

No final da década de 1960, acarajé, na pauliceia, era coisa desconhecida: verdadeira aventura dos mais atirados. Alguns conterrâneos (menos caipiras) precisavam ir a restaurantes de comida baiana, a exemplo do elegantíssimo Maria Fulô, da Rua São José, em Santo Amaro, para degustar o saborosíssimo acarajé que sempre foi (e será) comida dos terreiros.

Akara (pão) acrescido do verbo comer – em ioruba ongé – deu nascimento, na Bahia, à palavra acarajé, a comida predileta de Oya-Iansã, a senhora dos ventos e das tempestades.

Atualmente, para o pesar de alguns (e alegria dos divisores), existem baianas atípicas (porque de baianas talvez só tenham a origem do nascimento) que fabricam o acarajé e dão a esta comida o nome de “acarajé de cristão”. Isso porque para alguns ditos fundamentalistas, acarajé é comida do demônio, este anjo decaído presente – na cabeça deles lá – no candomblé deles lá, não no tradicional, que desconhece a figura do diabo!

Estas mulheres, reduzidas apenas à função de fabricantes de comida, vestem-se com roupas sem graça e isto é perigoso; uma violência. Penso que toda forma de violência deva ser combatida. Esta tolice de chamar o popular acarajé de “acarajé de cristão” ofende à máxima do cristianismo que é a plenitude da vida, indo de encontro do próprio Cristo, porque é uma agressão à vida plena e a crença de “alguns maiores”, mas, com certeza, de muitos pequeninos.

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4 Respostas to “AVE BAHIA! – CLÉO MARTINS”

  1. Francisco Ricardo Calixto de Souza Says:

    Cara Sra. Cléo Martins, bom dia.

    Apesar do comentário atrasadíssimo, quero postar algumas palavras.

    Concordo em gênero, número e grau com vossa escrita. Filho de Oxossi/Odé, adoro acarajé e penso que o povo de santo deve educar seus filhos e suas crianças na preservação de nossa cultura, afirmando que acarajé é um só e patrimônio da cultura brasileira e afro-brasileira.

    Abraços,

    Ricardo Calixto
    Ogan de Ossanyn do Ilê Axé Ossanyn Iansã.

  2. Francisco Ricardo Calixto de Souza Says:

    Nossa casa fica em Fortaleza, Ceará.

  3. Francisco Ricardo Calixto de Souza Says:

    Favor enviar novos artigos.

  4. Alma Rodrigues Says:

    08/08/2008
    Carissíma e Prezada Cléo,

    Estou com falta de informação á respeito de Ya Massé Malé, voce poderia me auxiliar?

    Minha filha é desta bela Yá e eu estou pedindo ajuda para poder cultuar… serei grata á Oyá minha mãe ,digo nossa…
    Mutumbá Yá ,Mojubá Mojubá arè
    Yá Niké…Alma Rodrigues

    Olá Cléo, 01/06/2011

    Desculpe minha insistencia, mas é que aqui no Rio ninguém sabe nada sobre seu culto, minha avó faleceu ( Yá Regina do Bangbosé), e não pude se quer ter com ela…ela nunca tinha tempo, é uma questão de saude, minha filha já é iniciada há 15 anos, porém sei que faltam algumas coisas para ela, peço-lhe que com seu vasto conhecimento ahi em Salvador, voce possa me auxiliar…

    Motunbá

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